“DA NATUREZA PARA O PAPEL II” | Exposição de ilustração científica de Marco Correia

Da Natureza para o Papel II

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“DA NATUREZA PARA O PAPEL II” | Exposição de ilustração científica de Marco Correia

John Ruskin, proeminente crítico de arte inglês do século XIX, com uma vida de trabalho dedicado a ensaios sobre arquitetura e arte, no seu livro intitulado “The Elements of Drawing” ensina os seus discípulos os fundamentos do desenho que se detêm na representação da realidade. Para este autor a excelência do trabalho artístico dependia mais da observação demorada e atenta do que do virtuosismo para executar o desenho. Por conseguinte, aquilo que determina um bom desenho académico de representação da natureza, depende mais da observação do que da agilidade. Isto quer dizer que qualquer um de nós pode ser um bom desenhador, basta que para tal se disponibilize a olhar demorada e atentamente para o mundo que o rodeia, livre de ideias pré-concebidas, dos muitos clichês e imagens de menor qualidade que povoam o nosso dia a dia.

Mas há uma segunda condição para ser um bom desenhador. Para o efeito, Ruskin releva que é importante ter um bom mestre que seja capaz de estimular paulatinamente para a observação do mundo, livre de interferências e de imagens feitas, mas potente do ponto de vista empático. Ruskin refere que aquele que quer ser artista ou simplesmente desenhador “tem muito que descobrir e a melhor forma de fazer essa descoberta será prestar atenção, e pensar, por um período mais longo de tempo, nas simples e pequeninas coisas”. Será da atenção e da repetição dedicada às coisas pequenas que se desenvolve a primeira apetência para o desenho. Ruskin recomenda que “primeiro desenhem apenas duas ou três folhas a seguir ramos maiores e depois pratiquem mais e mais elementos complexos de folhas e ramos”.  Desta experiência bem-sucedida criar-se-ão as condições de autoconfiança necessárias para se lançar ao desenho de realidades cada vez mais complexas como paisagens inteiras. A sintonia entre perceção e firmeza da mão conquistam-se através de uma sucessão de tentativas.

Marco Correia, designer de formação, é hoje um dos ilustradores científicos com trabalho mais relevante, a par de Pedro Salgado, seu mestre. Aquilo que Marco Correia aprendeu e desenvolveu deve merecer a nossa melhor atenção porque cada desenho resulta de um minucioso estudo desenvolvido no campo, recorrendo à fotografia e ao desenho. Tudo se resolve no seu atelier com a minucia do ourives que conduz uma gestação lenta e prazerosa de cada desenho, renovando e engrandecendo, sempre, a sua admiração pela natureza. As suas ilustrações científicas denotam uma afinidade muito intensa com o mundo natural e com o desenho, entendido como a disciplina da observação. É um lugar comum dizer-se que cabe à ilustração científica representar num indivíduo a universalidade de uma espécie. Mas, o trabalho de Marco Correia faz mais, representa a universalidade de uma espécie sem anular a unicidade do indivíduo. Deste modo, não esquece que qualquer ser vivo é único na sua aparição real, cada ser representado está tão investido pelo autor que fala tanto da espécie como de nós que a observamos a duas dimensões. As formas têm uma causa anatómica, uma razão de movimento e estabilidade, as cores variam com a luz, os brilhos e as iridescências das penas e das escamas alteram-se com o movimento dos corpos, mas como fazer isto num desenho bidimensional numa folha de papel?             

Posicionar a ilustração científica na confluência entre a ciência e a arte é outro lugar comum que, todavia, não deixa de corresponder à verdade. A ciência é refém da linguagem verbal que se engrandece através destas imagens para, codificar, representar, comunicar e compreender o conhecimento que produz. Mas, o desenho exprime-se numa linguagem muda, a dos pêlos dos pinceis, dos lápis de cor e das tintas. A boa ilustração científica não está somente ao serviço da ciência, ela exprime-se por outra linguagem que é muda e que capta o mistério de cada ser vivo. Uma boa ilustração permite-nos continuar a fazer perguntas alimentando sempre mais o impulso de proteção das espécies que é ético e político.

Samuel Rama   

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